Ela odiava ser tão poética - Cap. 2
O
trajeto não era longo. Era uma linha reta e aberta de pouca movimentação
cercada de uma vegetação de manguezais até alcançar o centro da cidade. Ponto
de ônibus era o que não faltava naquele lugar, era só escolher um deles e
acomodar-se embora tenha ficado confusa para decidir em qual deles parar.
Aquela confusão significava alguma
coisa. Detestou ficar irritada por causa de uma mensagem.
- O que é que eu estou procurando? -
Ficava puta quando não se controlava, na verdade, ela sempre fica.
Visão, tato e paladar arruinados
pelo sol e o calor. A audição que não tinha já confusa com a poluição sonora. O
olfato sentiu o cheiro do mar…
Acomodou-se na areia da praia, por
um momento quis deitar e sujar todo o cabelo. Mas não o fez. Fechou o os olhos
e trouxe o celular à mão. Ergueu, abriu os olhos e leu:
“Gabi, venha até o morro a hora
que quiser, provavelmente quando o sol estiver cor de sol, mas venha porque eu
preciso falar com você. Gabri.”
Detestou furtivamente aquele garoto
idiota, queria que ele desaparecesse da sua vida ali. Não se tratava de
arrependimento porque faltava motivos para isso, mas passado é passado e seu
corpo já tinha feito força o suficiente para repelir tudo o que poderia vir
dele. Ele era parte fora de sua vida, não lembrava do perfume dele, nem do
gosto dos lábios, nem do arrepio de seu abraço, a voz rouca de pedrinhas de
areia era vaga, o rosto angelical já não era tão angelical. Todos os sentidos
junto com seu corpo por inteiro o condenara e agora ele queria penetrar numa
casca quase recuperada.
“Onde estão minhas filosofias
exatas nessa hora? Cadê a minha antiga lógica para o amor? Eu conseguia
calcular tudo isso, demandar cada sentimento, prospectar o que estava por vir…”
Fez uma
análise morfossintática dos verbos… Calcular, demandar, prospectas… E
reparou a racionalidade em suas palavras. Isso inaugurou um alívio feliz e
registrou na “Caixa de Esperança”.
Deixou se invadir por um sentimento
protetor, aos passos rápidos e largos voltou ao ponto e esperou o ônibus para
sua casa como se ele fosse aparecer no final da rua no segundo seguinte. Depois
de tantos segundos o ônibus apareceu, ela entrou e viu a caixa na qual estava
segura. Fechou os olhos de mentes vazias e só os abriu novamente quando chegou
ao ponto de sua casa.
Gabriel a viu ao pé do morro,
subindo lentamente como quem queria apreciar a paisagem. Grandes árvores de
caules lisos se enfileiravam á beira da rua. Subida íngreme e asfaltada que não
perdia a beleza da floresta, o concreto ali não tinha vez. Ela já o tinha visto
a muito tempo, mas agora apenas aceitava a encará-lo na hora H. O que ele
queria? - se perguntava.
Ao meio do caminho começou a
saltitar, estava sim nervosa e queria sim chegar logo. Não tinha outra opção
além de aceitar para si mesma que ainda havia pedaços
dele registrados em alguma caixa inconsciente.
“Essa merda dessa caixa deve se
chamar amor, filha da puta”.
Alcançou por fim o topo. Apreciou o
suficiente a paisagem e conclui que “nada de suspense por agora”, seguiu em uma
pequena trilha já o vendo cada vez mais perto, olhos fixos e corpo frenético.
Parou ao lado dele e houve cinco minutos de silêncio. Os dois sentiam um
compromisso de respeito ao local, afinal, era um morro à beira do mar. Um morro
enorme e um mar maior ainda, sem casas, nem ônibus, nem gente. Não era preciso
explicar qual a sensação, eles não sentiam necessidade de palavras, porque hoje
em dia, até a honra de uma palavra na boca das pessoas são mais medíocres do que
quem as pronuncia.
- Estava com saudade, Gabi.
Alguém tinha que iniciar o assunto.
Gabriel exitou, Gabriela não correspondeu. Para ela era impossível fazer a
mínima ideia de como agir ou do que sentir. Sempre há uma linha tênue entre o
que você quer fazer e o que você faz… Ás vezes você faz o que quer sem
perceber. Ás vezes não.
- Realmente, já faz uns bons meses
que não nos vemos. - É claro que ela resgatou isso da Caixa de Segurança. Os
passos exitantes de uma garota apressada não eram somente para apreciar a
paisagem da subida. Com Gabriela, quase nada era por acaso.
- Me diga logo Gabri, o que é que
você quer garoto?
- Você.
-
Não-me-venha-com-esse-pa-pinho-cli-chê.
Ele a tirava fácil do sério.
- Eu sei que você detesta todo esse
show. Mas estou abrindo uma exceção, se a gente não se resolver, vamos ficar
assim perdidos um no outro para sempre.
Ela sabia que “perdidos” não era a a
palavra certa para eles, mas Gabriela não pediria para que o mundo todo fosse
tão estranha e racional como ela. Mas queria. Garota Mais Popular mode on.
Parou e pensou um segundo. Resolveu
desarmar e se deixar levar pela sinceridade.
- Onde foi que a gente errou, Gabri?
- Alguma coisa simplesmente tinha
que dar errado, se não, não tem graça. - Sorriu e ela detestou.
- Eu vou embora. Eu vim até aqui,
sabia que você queria me convencer a alguma coisa. Não Gabriel, chega. Você
consegue ver que é patético? A historinha fofa de Gabriel e Gabriela, até os
nossos nomes juntos parecem tão ridículos…
- Discordo. - Ele estava usando o
jeito dela contra ela mesma, era a única maneira de fazê-la entender.
- Se continuarmos insistindo só por
teimosia aí sim nós iremos nos perder. - E ela não podia perder a oportunidade
de corrigi-lo.
Ela deu as costas e correu. Sem
pensar, simplesmente fazendo. Se há algo de inédito até agora é a parte onde
Gabriela não pensa e faz. Não consegue pensar, exitar ou agir. Deixou seus pés
levarem-na, sem saber ao certo onde estava seu cérebro nessas horas. Gabriel
estava confrontando-a e conseguindo o que queria.
O que ela tinha de racional, ele
tinha de teimoso. É claro que ele a perseguiu, que correu mais rápido e que a
alcançou.
- A quem você está tentando enganar?
Olha só para você! Em choque, em transe, ofegante - isso seria difícil esconder
- você enlouquece quando fica confusa assim em si própria. Isso só prova que
não encontrou motivos para me esquecer, que está com medo. Esses meses todos
foram puro medo.
Ela sentiu o coração parar por um
segundo.
- Eu não vou desistir. - Esse era
seu gran finale no
assunto Gabriela.
Beijou-a. Só para deixar bem claro,
para sentir de novo, para acabar com qualquer resistência que ainda
podia existir nela. Queria fazer a racionalidade se esvair e restar a
poesia.
As coisas fluíram tão bem como
Gabriel queria que em alguns poucos minutos eles já estavam sentados em
fileira, ela apoiada nele, quase viciados na visão do mar. O pôr-do-sol
chegara. Ele se silenciou por um tempo, queria deixá-la apreciar seu sol e sua
cor preferida. Queria que ela não se esquecesse desse momento.
Era por isso que ele estava ali:
nada de deixá-la se esquecer de como eram tão compatíveis. E assim todas
as dúvidas seriam apagadas de alguma caixa desconhecida. Ele errou demais, mas
a conhecia o suficiente para saber que não importasse o quão inacessível fosse,
exista também uma caixa para o perdão.
- Você vai conseguir me perdoar?
- Vou.
- Vai ficar comigo?
- Vou.
- Vai esquecê-la?
- Esquecê-la?!
- Mariana.
- Foi você quem me lembrou…
Gabriela não conseguiu disfarçar o
desconforto, a insegura, o terror correndo em suas veias…
- Eu já te pedi desculpas por ter me
confundido com ela, por ser tão… Carnal, como diz você. Eu não percebi do que
abria mão e estava fraco naquela época… Estava aposta… Apos…
- Apostático.
- Isso, você sabe.
Aquele assunto deveria ser
esquecido, toda vez que ele se desculpava fazia aquela história voltar a fazer
parte da vida deles. Quis então sair de sua zona de conforto: os braços dele.
Instintivamente era muito mais fácil
deixar ele conduzir, falar, tomar a decisão, forçá-la a beijá-lo, mas não era
mais o caso. Ela estava se decidindo, adquirindo o próprio rumo das
coisas. A presença dele já não era tão horrorosa e encarar o problema em reta
final não parecia tão doloroso.
“Calma garota, o pior passou”
A ausência dele fez a racionalidade
ser maçante ao espírito dela. A dúvida já a tinha consumido, e aprendeu a
conviver com o terror. Mas isso era passado, ela não tinha o que temer, só o
que perder. Mas a perda já havia sido um medo superado.
Colocou a mão disfarçadamente por
cima do shorts escuro que usava, no bolso sentiu um pequeno volume. Lembrou da
cena em que usava uma caneta-tinteiro conveniente a ocasião, o consciente
gritou por tamanha cerimônia, mas escreveu num papel a conclusão dos últimos tempos. “A
perda é um medo superado.”.
Esta era uma nova lei para a “Caixa
de Força”.
Virou-se para ele, e aos pequenos
beijos dizia:
- Já perdoei e já estou aqui
contigo, não quero ficar olhando para trás e tirar conclusões sobre algo que…
Olhe só para nós, é completamente desnecessário.
Beijou-o por fim. E assim seguiu a
tarde toda, ficaram dessa vez finalmente perdidos em seus gran finales e nas
sensações provocada um ao outro. Eles se conheciam tão bem.
Leia o primeiro capítulo aqui.
Leia o primeiro capítulo aqui.
Comentários
Postar um comentário