Triste
Ficar triste é sempre pela primeira vez. Já fiquei triste tantas
vezes, mas nunca assim. Porque o “assim” de ficar triste é sempre pela primeira
vez. Já fiquei mais triste do que estou agora, mas nunca tão triste. Porque o
“tão” de ficar triste, quando é tristeza mesmo, é sempre arrebatador e
assustador e é pela primeira vez. É sempre com o peito virgem e assustado e
infantil que ficamos tristes. É sempre com cinco anos, com fome, nus, gelados,
segundos antes de morrer de falta de sentido por ter nascido.
A
tristeza é uma criança de rua com uma faca apontada pra falta de amor que
o mundo ofereceu pra ela. Uma meleca no nariz que nenhuma mãe limpou se
transformando nos olhos de um adulto assassino. A tristeza é um pedaço de vidro
numa mãozinha pequena. A tristeza é um anjo que não arrumava ninguém pra poder
agir como um anjo e foi ficando bem diabólico. A tristeza é ter que comer um
risoto caro, com amigos felizes, quando só se quer vomitar no banheiro de casa,
sozinha. E triste.
Eu quero
vomitar tudo. A água, a saliva, a língua, o seco da garganta, a amígdala, o
apartamento de milhões de metros quadrados vazios que virou o meu peito. Quero
vomitar minha pele, meus olhos, meu fígado, meus horários, minhas listas de
vontades. Eu quero tudo fora, tudo fora. Eu quero eu fora. Eu quero ir pra fora
de onde está tão devastado e de onde eu tinha pintado tudo de azul pra te ver
sentado bem no centro. No centro do meu peito, você, com a luz azul da minha
esperança.
A tristeza
me fez um milhão de vidas essa semana. Um milhão de almoços e jantares e
projetos. Eu sorrindo, implorando às distrações que me levem, que façam
remendos em meu peito perfurado pela violência do ar que não assovia mais os
seus sons.
A tristeza
me fez cortar o cabelo e pintar de loiro. E me fez aumentar os pesos do
pilates. E me fez prometer alguma sedução para alguém que jamais receberá nada
de mim. Não existe nada mais triste do que essas coisas de dar a volta por cima
e essas coisas de tocar o barco e essas coisas de sacudir a poeira e essas
coisas medonhas que a gente fala ou pensa ou ouve. A tristeza são frases vazias
e feitas e tediosas saindo de bocas vazias e feitas e tediosas.
A tristeza
me fez repartir o calmante no meio. Tomar um. E tomar o outro. Porque nem
calmante eu to suportando ver pela metade. Que pelo menos no limbo da minha
mente triste alguma coisa possa viver inteiramente.
A
tristeza é uma parede, uma geladeira, um computador, um telefone, uma
televisão, uma cama, um elevador, um carro. A tristeza são as ruas, os
jornaleiros, as pessoas gordas atravessando, as pessoas magras atravessando. A
tristeza é o cinza, o vermelho, o azul, o transparente. A tristeza é a próxima
música, a próxima seta pra direita, a próxima seta pra esquerda. A tristeza é o
ar que sai e o ar que entra. A tristeza é o segundo de ar que se perde e fica
mais um tempo. A tristeza é dizer que são cinco dias, são seis dias, são sete
dias. A tristeza é a nossa última vez juntos fazendo quinze dias, dezesseis
dias, dezessete dias. A tristeza é o amor ter acabado sem ter acabado. É não
saber o que é amor e não saber o que é acabar e não saber o que é não acabar. A
tristeza só sabe que é triste e todo o resto ela só tenta saber, mas fica louca
e desiste. A tristeza é de uma simplicidade que a torna ainda mais triste.
A tristeza
é qualquer posição sentada ou em pé ou deitada. A tristeza é deitar e levantar.
Tentar ou desistir carregam a mesma tristeza das coisas que não existem. Minha
pele toca no pano, na água, na tela, uma mão toca na outra. Todos os toques são
tristes. Todas as posições são tristes. Amanhã será triste, ontem foi triste.
Hoje é o dia mais triste do mundo.
É porque
eu tenho medo de dirigir até o Morumbi no escuro? É porque eu uso pijama feio
pra dormir? É porque eu sou egoísta e louca e tenho um dente torto? É porque eu
ria de você e ria das suas coisas e ria das suas músicas e ria de nervoso
porque eu gostava tanto de você que odiava você? É porque eu criei sete mil
muros pra receber alguém mas queria esmurrar até sangrar o seu único muro como
se você também não fosse humano? Ou é só porque é assim mesmo? Assim: finito,
simples e triste demais.
Hoje
elegi o mais triste de tudo. É o banquinho que guardava a sua bolsa de carteiro
e que não guarda mais nada. Ele agora é só o que era mesmo pra ser: um banquinho.
Limpo, solitário, imponente, em sua nobre função de banquinho.
Sua triste,
desgraçada, branca, idiota e livre função de banquinho.
Adorei, muito lindo mesmo, você escreve muito bem! Vai se dar bem como jornalista (também é o meu grande sonho) =) beijinhos'
ResponderExcluirisabelefarias.blogspot.com.br
Infelizmente não é meu esse texto haha mas obrigada mesmo assim <3
ExcluirOi, Larissa!
ResponderExcluirTextinho muito lindo da Tati Bernandi. Lindo e... triste.
Beijos,
Inara
http://www.lerdormircomer.com.br/
É mesmo :/ beijos <3
ExcluirTexto encantador da Tati Bernandi, super deprê, super melancolico, MUITO EMO GENTE, HAHAHAHA
ResponderExcluirFoi tanta energia negativa que até um bom banho de sal grosso melhoria minha estima após esse textinho, haha, brincadeirinha! <3
Beijos, Lari
HUHEUHAU é triste mas é bonito, vai :P
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